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7 de julho de 2012

Cão

Sinto-me pesado
Como se bafejado pelo infortúnio
A rua escorrega-me dos pés
E o mundo escorre-me pela pele
Os braços abertos em derrota
Gritam por mim o teu nome
Ecos estilhaçados pelos prédios
Correm selvagens para o cérebro
Que em jeito de malvadez os urdiu
Se devagar corro devo-o
Ao peso da tua memória
À imensidão do teu sorriso
Os passos ritmam a melodia
Dessa cantiga que não quero
Ouvir ou tocar ou cheirar
Se poder nem ver quero
As trinta e duas pérolas
Desse teu beijo que não tive
Se me doem as feridas
Dos pequenos cortes teus
E se elas sangram
Desço aos infernos resoluto                           
A lá ficar no círculo reservado
Dos tolos e dos cobardes
Que este cão não aprende

Destroço

Deixaste-me ser um destroço
Moldaste-me sem me conhecer
Sem me levares a passear
Pelas manhãs de funerais
Que marcham frente a mim
Para nunca as apanhar
Deixei-te pilhar até o adeus
Torceste-me até aos ossos
De cada vez que encostaste
A tua pele suave à minha
Fomos aos breus dos poços
Ao êxtase das asas das gaivotas
Sendo sempre dois estranhos
E eu já nem quero sonhar
Onde tu e eu estaríamos
Se tivéssemos unido carne
E corações em juras e saliva
Esta guerra não era minha
Nunca a poderia ganhar
Mas ganhei uma batalha
Estejas onde estiveres
Quando dançares eu sei
Que danças para mim

20 de junho de 2012

Corvo

Que outro senão este vosso amigo
Para cair enamorado de um Corvo
Que idolatra as coisas brilhantes
E a força bruta da pequenez
Ao invés do brilhantismo das
Pequenas coisas que trago ao peito?
Tolo da raça maior sou eu
Que me deito com o mesmo erro
Infindas vezes na mesma noite
Só para nunca saber a que sabe
Um torrão de rocha da Lua
Quem mais senão este corpo
Para gostar desse crocitar
Assustado e assustador?
A alcateia não pára por ardores
Ou tumefações infundadas
Mas um dia quebraremos passo
Para te colher a plumagem
E te pousar a meu ombro
Pequeno Corvo

12 de abril de 2012

De mãos dadas

A noite ainda nem vai alta
E já a Solidão se senta comigo
Aqui à beira da cama, calada
A dar a mão à minha alma
Namora com o Desespero
Que se fez de meu inquilino
Já nem recordo quando
Deitado a fitar o tecto
Vejo três mundos além
Daquele em creio estar
E em nenhum deles tu estás
A soma dos meus medos
Naquela janela de betão
Sempre de mão dada
A cama já é uma valeta
Sou um homem velho e mau
Ou uma criança partida
Uma engrenagem virada louca
Um belo naco de nada
No fundo do crânio penso
“Partida, mas ainda é a minha casa”
Sempre de mãos dadas

11 de abril de 2012

Chamando nomes a Deus

Já te contei as vezes
As mais maravilhosas vezes
Em que ventos batiam
De feição, perfeitos
Em que acreditava
Poder pagar felicidade
Olhar por cima do ombro
E ver o Silêncio
Envolto em maresia
Olhar aos céus
E suspirar em paz
Ter os lábios cobertos
De pétalas de mulher
Os pés descalços?
E já te falei das vezes
Das mais pérfidas vezes
Em que tudo me foi roubado
Tudo ardendo em piras
Com labaredas de vergonha
Em que arrependi
Os dias lânguidos
Perseguido por temores
Ver o Silêncio brandir
Uma faca cega na noite
Ter que baixar a cabeça
Numa sinfonia de derrota
A testa em sangue?

31 de março de 2012

Âncora

Sou capitão sem navio para comandar
Bóia deixada à deriva no mar
Vou afundando corações
Cantando tristes canções
Amando perdidamente sereias
Que me enferrujam as veias
Levando-me ao apogeu da loucura
Com promessas de paixão pura
Rogo pragas aos mares
E aos defuntos czares
Nunca soube ardor tão forte
Com cheiro a céu e a morte
Cruel cilada esta a tua
Que te basta estar nua
Para que homens feitos
Tremam que nem amores-perfeitos
Se te arrancar de mim à faca
A cicatriz será que atraca
Como o navio que espero
E a âncora pela qual desespero

6 de fevereiro de 2012

Dias

Há dias que quero separar-me dos meus olhos
Desligar-me das mãos e deixar de ouvir
Há dias em que quero arrancar a virilidade
E dias em que mais valia engolir a língua
Pois nada me vale para ser corajoso
Ou bravo o suficiente para rasgar amor
Do tecido da fragilidade feminina
Se não te doem os poemas
Que cobardemente te insinuo
Não tenho forma alguma de te mostrar
O pequeno ser que habita esta grande tenda de circo
Que eu maquilho com laivos de malvadez
Desejo por dias a fim que me venhas ver
Aqui sentado, diminuto e a tremer
Que me beijes e digas que de mim precisas
E vês-me crescer, a abraçar-te e por ti morrer
Mas até lá brinco com palavras
Com desejos e com estúpidas inseguranças
Que me separam dos olhos,
Que me desligam das mãos e me fazem deixar de ouvir
Que me arrancam a virilidade
E que me engolem a língua
Sou um homem apaixonado pelo seu próprio medo
Um escombro do apogeu de um amante
A quem Deus não escuta e os anjos renegaram
Que seu grande pecado foi não dar graças
Pela loucura servida a ferros num prato de drogas
E que o amor desdenha da minha existência
Se um dia me perceberes, peço-te que mo digas
Que me arranques lágrimas da cara porque
Há dias em que sei que aquilo que sinto
Não cabe no espectro de mais ninguém
E há dias em que estou farto de viver assim

5 de janeiro de 2012

Terras Baldias

O que é a minha vida senão
A mais contínua repetição
Do erro de não me saber
Encontrar, de não querer
Assentar mas de o desejar
De simplesmente ignorar
Quem sou por quem és
De jurar com força a pés
Juntos que solução és tu
Com que força me mordo
Com raiva que me transbordo
Para conseguir rasgar um sorriso
Desta ridícula posição friso
Que nunca serei eu
A quem chamarás de teu
Abraço isto como a espinhos
De sentimentos fazes brinquedinhos
E até ao final dos meus dias
Dentro de mim, terras baldias

Lágrimas Sonoras