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4 de dezembro de 2011

Ismael

Sorriso armado a sedelas, pregado a osso por uma turba que aborda a estibordo, deixa-me o esqueleto corrido a frios e a dias corridos de palavras mudas. Os lábios lapidados a dentes, que sonho serem senhores de uma outra gengiva, doem a bordoadas de ventos glaciares que se rasgam do peito, deste peito de madeira oleada a erros e a berros. Punho cerrado a apontar para Norte, cotovelo prestes a ceder do peso desta promessa. Se me dizem que caminho trilhar ou para que rota almejar, dou-lhes palavras de vidro, tão bonitas como as mentiras que me fazem a carcaça. Os joelhos agoniam e imploram-me que desista. Fracos. Mas tenho as costas a aplacar as ondas. Os ombros a carregar as marés. E berro e praguejo aos zéfiros quantas putas me hão-de querer morder as mãos e desafio-os a me mandarem todas as baleias, para que das melhores eu faça a minha escolha, para qual delas me triturar com as mandíbulas. Que o meu destino não é almarear à toa, é fazer tremer todo o céu com a minha voz tempestuosa quando morrer, de feliz.

24 de novembro de 2011

Valéria

Querida Valéria,
Não cheiras em mim
Um cão sujo e infiel
Que se empoleira
Nas tuas pernas?

És um ridículo doce
Diabetes com ancas
Fazes com que arqueje
O corpo escanzelado
Contra o chão de mármore

Passo a língua ao pêlo
Espio-te os defeitos
Para os uivar, mergulhado
Na tua pequena abertura
Grilhão sensível a dentadas

Mas como podes não ver
O risco do meu esgar
Sorridente e malicioso
Como podes pedir
Que te sinta falta?

És inocente, Valéria
Uma ternura desnuda
Suada mulher de fel
Que me arde na garganta
Que me beija maliciosamente

21 de novembro de 2011

Soledade

Sei-me forjado de uma outra liga
De um aço feito solitário
Formei-me numa multiplicação por zero

O único ser que habita uma rua chuvosa
A única conversa num fio de fumo
É a minha mordida no filtro
Que te espanta e que amas

Ris-te como quem magoa
Com um silvo de faca errante
Brilhas ao aquém do infinito

Geme o vento, alucinado em drogas
Uiva o meu corpo em mágoas
E esta linha de pensamento
Que me assombra e corrompe
Jura-me que um dia morre

E diz-me, ludibriante:
- São todas tuas putas,
Mas as velhacas vêm-se
Lambendo-te as feridas
Esmagando as delas
Contra as saias

Fico enfezado sentado no chão
A chupar o veneno às soldaduras
Chapa mole em capas duras
Reza que far-me-ei homem
Louca, frígida, bela
Conjura que amarei mulher
Sóbrio, sozinho, confuso

3 de outubro de 2011

Capitão Morte

Escrevo-te em tormentas eléctricas
Porque te fermentas em mim
Como um abrasão na pele

Se tu, gentil, te chegasses
E eu dissesse que te necessito
Como respiro fumo e alcatrão

És a maré que preciso
Mas que não vou apanhar
Rochedo, sou

Carburaremos os dois
Nas fornalhas que fizemos
Nunca tristes, nunca alegres

És a dor que se me dá aos ossos
Cancro que se me alastra
Vasilha de beleza ruim

Lambes a maresia da testa
Ninfa de psique amorfa
Petrolífera e amarga

Vem-te em ondas de gasolina
E suspira ventanias
Que quero atolar o barco

Atar-te-ei à proa
Para sempre, para todo o sempre
Deste teu, Capitão Morte

27 de setembro de 2011

Casamento

Quero partir-te os joelhos
Para que não mais fujas do lar
Cortar um dos teus dedos e
Levá-lo comigo a todo o lado
Fazer um reluzente cinzeiro
De uma das tuas mãos
Agrafar-te os lábios em posição
De um eterno beijinho
Arrancar-te a pele e mandar
Emoldurar a dourado
Roer-te as orelhas para que
Nunca me deixes de ouvir

Quero que tomes chá comigo
Principescamente sentada
Numa cadeira de rodas
Empurrar-te-ei pelas melhores lojas
Quero os teus dentes
Como munição de arma secular
Para disparar contra os teus sonhos

Se pudesse devorar todos os teus sentidos, fá-lo-ia
Se quisesse mascarar todos os teus defeitos, fá-lo-ia
Mas quero-te consumir crua
Comer a besta que és

É contigo que quero casar

9 de setembro de 2011

Comprimido

Sou um comprimido que me corrói o estômago
Uma beata de cigarro na minha pele
Um desespero que me aperta o âmago
Um grito à espera que o peito degele

Sou um espinho cravado no meu olho
Uma droga que me consome o ser
A minha comichão, o meu piolho
Uma maldição que amo, dê por onde der

Sou de longe o pior dos meus males
Tão perto, demasiado para ver
Que nem que me apunhales
Eu vou sempre te querer

6 de setembro de 2011

Discurso em branco

O ar enche-se de sons
Em desespero, disparo
Cartuchos vaziíssimos
Palavras brancas para ti
Desajustado discurso
Que com a alvorada
É salpicado de espírito

Língua de trapos
Coberta de aftas
Escoriações decoradas
A asfalto e vergonha
Reconheces o fedor?

Bebe, criança minha
Diz que destrava
Faz malvadezas
Corrói o coração
A outrem que não tu

Desdigo as mentiras
Que ouves por prazer
Encostada à jukebox
Dou-te as ciências
As doutrinas e divindades
Tudo para não te dar
Aquilo que queres ver
Em mim, que sou eu

3 de setembro de 2011

Perfume


Cheiras tão mal
A loucura e doenças
Uma fragrância decadente
Rasgada a ferros ferrugentos
Do teu corpinho sardento
Pedacinho de céu asqueroso
Um perfume de puta
Que este cão não pode
Deixar de querer lamber
Limpar-te os poros
E conservar a saliva
Em banha ou etanol
Mergulhar o nariz adunco
Sempre que te querer
Recordar o medo que te tenho
Rosnar o orgasmo até ao fim
Sonhar que te arranco bocadinhos
Que fedor nauseabundo
Domina toda a minha cabeça
Prende a minha genitália
Com pregos ao chão
Banho-me nesse aroma
Como um porco rebola
Na sua própria merda
Dar de bom grado um braço
Para te escutar a roncar
O meu nome, o meu nome

26 de agosto de 2011

2


Dois pedaços de dor
A rumar ao meu destino
Cavaleiros do apocalipse
Cocainómanos em vestes
Douradas e carmesim
Uma tempestade aconchegante
Que se rói por dentro
Aos rumores bárbaros
Das vicissitudes do alheio
As ameaças de morte
Sussurradas pelo vento
Cantigas de embalar
A um coveiro por obrigação
Marinheiro de sepulturas
Recortadas nas ondas
Do mais puro silêncio
Deitadas no peito
De uma puta qualquer

Tenho segredos que não
Quero contar a ninguém
Medos que se arrependem
De ser criados e que no entanto
Se espalham pelos vales
Duma chávena de café

Ruindade feita gente
Carregas as válvulas
De libidos renascentes
Como se de engrenagens
Uivasse um louco ao céu
Repetindo a sua lucidez
Às páginas duma bexiga
Insuflada em ego e cerveja
Bafo quente a paixão
Amargurada e flácida

Triste sou pouco
Recriado em trastes
De sorrisos escancarados
Às mais belas faces e
Aos mais sedosos cabelos
Grilhões dum apaixonado
De valetas e dramas

24 de agosto de 2011

Brilhantina


Cabelo reluzente de brilhantina
Liberto-me casa com um andar
Como se o cérebro estivesse a segregar
Um ácido com demasiada estricnina

Todo eu sou estranheza
Mas um tipo de defeito vulgar
Dando de caras com uma pobreza
De vontades, de gostos e de amar

Escondido por baixo do pompadour
Murmurando a chanson du jour
Espreito através dos óculos
Mandando às meninas ósculos

Faço-o por falta de latim
Ou para ser uma bizarra peça
Que vontade de falar não há em mim
Quando realmente me interessa

Pavoneio uma falsa confiança
Talvez pelo facto de usar laca
Ou por ter a esperança
De me poder defender à faca

E lidar com as mudanças de humor
Desta condição de bipolar by proxy
Experimento ser eu com ardor
Mas mando tiradas como “God, you’re foxy”

Cliché, meu bem, nada mais
Não há em mim um pedaço original
Caio na sarjeta com os demais
Os meio-artistas deste mundo animal

Não me olhes em desdém
O meu final dramático já ali vem
Hei-de arder em burrice
E nada de funerais, já disse

7 de agosto de 2011

Saudades de quem não tenho

Saudades de quem não tenho
Ninguém me diz coisa nenhuma
Saudades de quem não tenho
Não há em mim palavra saudade
Saudades de quem não tenho
Tenho, teria outrora saudades
Saudades de quem não tenho
Em muitos amores saldadas
Saudades de quem não tenho
São coisas de um passado
Saudades de quem não tenho
De alguém que me afoga em
Saudades de quem não tenho
Sinto falta de te ter minha
Saudades de quem não tenho
Queria ter quem não se me dá
Saudades de quem não tenho
Todo eu sou saudades por
Saudades de quem não tenho

Lágrimas Sonoras